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A lã da vicuña

Para Cecilia Vicuña

Quando Cecilia Vicuña me disse que podia me receber em seu apartamento em Nova York, não pensei duas vezes, arrumei minhas malas (raramente viajo com uma só) e parti.
No dia da entrevista, um domingo ensolarado, mas frio, separei alguns livros que queria que ela autografasse, elaborei algumas perguntas para lhe fazer e coloquei um vestidinho bege de tricô 100% algodão. (Há tempos que só me visto com tecidos de fibras naturais — embora seja tentador comprar uma blusinha de poliéster por U$ 5,00 na H&M ou por € 4,00 na Primark).
Foi só no táxi, contudo, que percebi um fiozinho solto no meu vestido. Enrolei o fio e, com a ponta de um lápis, o enfiei cuidadosamente de volta ao seu lugar. O problema é que ele cismava em sair…. paciência.

Cecilia me acolheu com muita simpatia no seu flat, cheio de livros e de obras de arte. Falamos sobre tudo: poesia, tradução, performance, política, feminismo e sobre a vicuña/vicunha, um camelídio andino que corre o risco de extinção. Sua lã, ela me disse, “é sagrada”, e prosseguiu: “Há duas formas de tirar a lã da vicuña: uma que é violenta e outra que é suave. Se a lã é tirada com muita força, a fibra se corta; por isso precisa ser tirada com muita arte”.

Então, foi até uma mesa, com um gavetão de madeira, e de lá tirou uma bola de lã de vicuña para me mostrar como se deve tirar o fio dela sem que ele se rompa.
Enquanto fiava, seguia falando: “São as mulheres que têm que tirar o fio da bola de lã, porque elas tiram com cuidado, de modo que nunca o corte. A mulher é quem conserva a unidade e a união. Entende? Por isso estão sendo perseguidas no mundo todo, porque delas depende a continuidade da vida…”

De repente, sem mais nem menos, levantou-se, apanhou um cartaz que dizia “FLORESTA VIVA NÃO DESTRUÍDA” e pediu que eu o fizesse circular entre os artistas brasileiros. Em seguida, levou-me até a porta e disse: — Adiós! I have to pack up. Tomorrow I’m going to Chile!

Foi só no corredor do prédio que me dei conta de que estava só com a minha roupa de baixo! Meu vestido havia sumido! Estava atônita! Passou-me pela cabeça que poderia ser um tipo de feitiço, uma alucinação…! Mas eis que me lembrei do fio solto do meu vestido, que certamente se misturou ao fio da lã sagrada da vicuña e com ele foi fiado. Diante dessa imagem tão poética não me importei em voltar para o hotel enrolada na faixa que ela havia me dado.

Duas quadras depois, contudo, as pessoas começaram a se aproximar de mim, tirar fotos, em poucos minutos a imprensa estava lá, me questionando, filmando… Não sabia o que dizer e, de fato, não disse nada, ou quase nada, só consegui dizer que era brasileira.

E foi assim que fiquei famosa. No mesmo dia, eu estava nos noticiários da ABC News e da CNN e, no outro dia, era capa do The New York Times com a manchete:
BRAZILIAN WOMAN IN A LONELY ENVIRONMENTAL PROTEST IN NEW YORK!

Dirce Waltrick do Amarante

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