Carrinho

Seu carrinho está vazio.

VAPOR BARATO

WILSON ALVES-BEZERRA

  • R$ 62,00


É possível adoecer de um país? Durante as sessões de psicanálise que formam os capítulos deste livro incisivo, os dramas íntimos cedem lugar no divã a desilusões políticas dolorosas. As disfunções da vida pública viram aqui um problema pessoal dos mais agudos, a ponto de ameaçarem a saúde mental do angustiado e queixoso analisando criado por Wilson Alves-Bezerra. Motivos de reclamação não faltam, e é possível que muitos sejam compartilhados pelos leitores deste livro. Ficção à maneira de um desabafo, flertando às vezes com a imprecação, Vapor barato remói com amargor assumido os acontecimentos da história recente do Brasil. Em sua prosa encrespada, transtornada com o país que chama ironicamente de “Esmerilhândia”, o protagonista do livro oscila entre abatimento e fúria, melancolia e surto. Mesmo naqueles momentos em que seu personagem extravasa sua raiva de modo mais direto, porém, Alves-Bezerra não oferece ao leitor qualquer tipo de catarse.

 Quanto mais desfia sua contrariedade, mais a fala ácida que se desdobra aqui parece girar em falso. O leitor vira as páginas, mas tem a sensação de ser lançado a cada vez de volta ao mesmo lugar. Nessa prosa que se volta de modo insistente e aflitivo sobre si mesma, o autor sugere uma figuração possível para um país condenado à repetição sintomática. É sobretudo esse sintoma de dimensões continentais que não para de se repetir aqui, produzindo a certa altura um efeito insólito de desorientação temporal. Nem sempre é fácil dizer se aquilo que se lê diz respeito ao passado recente, àquilo que vai acontecendo naquele mesmo instante ou à imaginação de um futuro distópico. A indistinção entre fantasia e realidade deixa então de ser um problema interno à história que acompanhamos para tocar de modo perturbador nossa própria leitura.

Miguel Conde



Autor(a) Wilson Alves-Bezerra
Nº de páginas 140
ISBN 978-85-7321-596-0
Formato 13,5x20,5cm

Avaliações (0 comentários)

Escreva um comentário

Nota: HTML não suportado.
   Ruim           Bom


***


***

O rancor é verde, o cinismo é amarelo

Fonte: Medium.com

Nas semanas que antecederam as eleições de 2018, uma frase que circulou em profusão pelas redes sociais dizia algo do tipo: “Quem não está apavorado não entendeu o que está acontecendo”. Era uma afirmação direta e autoexplicativa, mas o óbvio nem sempre é tão fácil de perceber no meio de uma escalada de insensatez coletiva. Um dos mestres do jornalismo alternativo, o estadunidense Hunter S. Thompson, tinha uma espécie de lema que, à sua maneira característica, fornecia uma chave interpretativa para essa questão: “Quando o lance fica esquisito, o esquisitão vira o profissional da parada” (em uma tradução absurdamente licenciosa). Afinal, se as palavras são sequestradas, esvaziadas de sentido e enfileiradas como simulacros ocos (como aconteceu no Brasil ao longo desta década com termos como “povo”, “democracia”, “justiça” etc.), o jargão que até pouco tempo antes era linguagem corrente passa a servir apenas para normalizar o que é aberrante. No mesmo tom asséptico e estéril de sempre, falava-se em “agendas dos candidatos”, em “plataformas de governo” e em “alianças e composições eleitorais”, como se estivesse havendo uma campanha como qualquer outra, como se por baixo da superfície o cerne do discurso já não tivesse sido implodido e substituído por um caldo tóxico de ressentimentos e fantasias violentas.



***

'VAPOR BARATO' CONTA HISTÓRIA DIVIDIDA EM 26 SESSÕES PSICANALÍTICAS  

Apesar de ter apenas dois personagens, livro de Wilson Alves-Bezerra é protagonizado pelo país em que paciente e psicólogo vivem

Faustino da Rocha Rodrigues*, Especial para o Estado

09 de fevereiro de 2019 | 16h00


Como sair imune a transformações políticas que anunciam uma realidade social conturbada? Como traduzi-las para a literatura? E mais: como fazer isso sem cair em uma grande introspecção a denotar que as angústias de um determinado protagonista tomem o lugar principal da trama obscurecendo a realidade ao redor? Wilson Alves-Bezerra sabe o caminho. Vapor Barato é escrito na forma de diálogos nas consultas de um paciente com seu psicanalista. Cada sessão, um capítulo. São 26. E, de modo até mesmo abrupto, porém, sem rispidez e agressão ao leitor, os dilemas surgem. 

Embora com apenas dois personagens, não é exagerado dizer que o protagonismo esteja fora deles. Isso porque Bezerra está longe de se restringir às angústias do paciente no divã – caminho que exigiria a minuciosa escrita dos pensamentos verbalizados, insinuando profunda introspecção. Tais angústias permanecem em primeiro plano, mas em permanente sintonia com a realidade bastante presente na vida do leitor. Explico melhor. 

A realidade social em questão é muito similar à brasileira. A palavra Brasil sequer é mencionada e toda referência feita pelo paciente à sua pátria remete à Esmerilhândia. O nome remete ao verbo esmerilhar, e, consequentemente, ao seu significado que quiçá possa ser melhor empregado aqui: polir. Trata-se, neste caso, de um ato contínuo a implicar ação não finalizada. O referido país ainda não está terminado. O leitor facilmente se dá conta disso, evidenciando o apelo do autor àquele que tem contato com o livro. 

Se Bezerra insistisse em se restringir à introspecção dos personagens, além de correr o risco de uma narrativa mais densa – porque necessitaria de um ritmo um pouco mais homogêneo encadeado com a evolução dos sentimentos e pensamentos dos personagens – não conseguiria retratar toda uma realidade ao seu redor. Entretanto, é possível saber o que se passa no país em questão pelos diálogos presentes na obra – ao mesmo tempo em que se vivencia a angústia do personagem no divã. E isso é ótimo para quem lê. 

Em alguns capítulos, como em qualquer sessão de psicanálise, o paciente/personagem está mais afoito, angustiado. Em outros, cheio de certezas. Outros, ainda, mais calmo, porém, atento e questionador. Conduzir isso de modo literário é um desafio. Bezerra o faz trazendo o diálogo para um primeiro plano, conferindo-lhe algo semelhante ao status de protagonista. 

É no diálogo, chave estrutural da obra, que se encerra o artifício maior de Vapor Barato. Logo, o diálogo, pela ferramenta da fala, premissa psicanalítica fundamental, desponta como essa espécie de protagonista do livro. E, por meio desse diálogo, e somente por ele, é possível acessar as particularidades da constituição do país em questão, dos movimentos políticos tão angustiantes para o personagem no divã e seu analista, quanto compreender suas próprias questões e histórias. 

Ademais, a condução do diálogo por meio da exposição da fala do analisando expõe os fatos pessoais de forma nua e crua. Não há recurso imediato a um narrador – ou mesmo da consciência do personagem, na forma de pensamento – a promover reconstruções históricas situando o leitor. Algo bastante relevante. 

Ainda que de modo assaz breve, o analisando, ao se expressar junto ao psicanalista, faz pequenas reconstruções da história de seu país, chegando a interessantes conclusões. Bezerra expõe os acontecimentos ao atrelá-los à história do próprio personagem. Isso sem falar que se trata de acontecimentos que, atualmente, são constantemente evocados pelo cotidiano. 

Não há complacência com o leitor – tanto que não há narrador a situar tais fatos históricos, permitindo a quem lê um mínimo de compreensão. E isso não se faz necessário, sobretudo porque Bezerra consegue atrelar os acontecimentos históricos à história do próprio personagem.

Simultaneamente, a importância do fato histórico é elevada a um outro patamar segundo a angústia vivida pelo analisando. Por exemplo, quando descreve a morte de uma ex-primeira dama, vítima de AVC – em clara alusão a Marisa Letícia, a esposa do ex-presidente Lula. Em seu relato, o problema de saúde foi decorrente de uma série de perseguições sofrida por ela e seu marido.

Sua angústia reposiciona esse episódio não como fato isolado em meio a um conjunto sem fim de acontecimentos. Não, pois é essa angústia que permite um redimensionamento do episódio a partir do tipo de efeito sobre o analisando. O público leitor, então, repensa a questão. 

Por conseguinte, a estruturação narrativa se dando por meio do diálogo atrela a história do país em questão à vida do analisando. Por sua vez, de imediato, como não há narrador, a evidência da vida pessoal somente se torna possível por meio da fala no divã, o ambiente por excelência em que se passa o enredo.

Os humores do personagem, por exemplo, tornam-se elementos condicionantes para uma compreensão mais ampla de tudo, da história do país e da vida pessoal. Porém, como não há sequer a descrição de um sorriso, mínimo que seja, o leitor deve mergulhar no diálogo, tentando identificar entonações, expressões, demonstrações de afeto, sentimentos etc. E nisso, as próprias manifestações do leitor imperam.

Bezerra tomou para si uma gigantesca empreitada narrativa. Transpor tudo que é relevante por si mesmo, digno de ser narrado literariamente, em fala. Tudo é fala. O mais impressionante é que o leitor consegue acessar, digamos, os humores dos personagens – embora sequer tenha a descrição do ambiente, se é escuro, claro, se as sessões ocorrem de noite ou de dia, entre outras particularidades que inicialmente seriam relevantes para a narrativa como um todo. 

Com um rebuscado artifício de escrita, Vapor Barato é um livro absurdamente atual a sinalizar para infinitas possibilidades alcançadas com o diálogo. Ao leitor, mobilizado por acontecimentos sociais apresentados pelas falas dos personagens, cabe a interpretação, tanto do livro, quanto da realidade. Aliás, é difícil separar os dois. 


*FAUSTINO DA ROCHA RODRIGUES É JORNALISTA, CIENTISTA SOCIAL E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS


Produtos relacionados

Wilson Alves-Bezerra Lit. brasileira E-book
  • R$ 62,00
Em até 3x sem juros
Comprar
Iluminuras © 2024 - CNPJ 58.122.318/0001-25